Utilização do sistema de registro de preços nos casos de prestação de serviços continuados

A incompatibilidade entre a utilização do sistema de registro de preços e a contratação de serviços continuados

O Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais em seus precedentes já destacou a incompatibilidade existente na adoção do sistema de registro de preços nos casos de contratação de serviço continuado. A jurisprudência da Corte considera o sistema de registro de preços incompatível com a contratação de serviços de natureza contínua[1]. Nesse sentido, vejamos decisão em denúncia que tratava da prestação de serviços de limpeza urbana:

(…) o sistema de registro de preços é incompatível com a contratação de serviços de natureza contínua, pois este exige imprevisibilidade do quantitativo e os serviços ora em licitação tem seus quantitativos previsíveis.

O maior impedimento é o fato de a licitação para registro de preços não obrigar a indicação da dotação orçamentária, que somente será exigida para a formalização do contrato ou outro instrumento hábil, tais como Nota de Emprenho.

E, por conseguinte, citando enunciado de súmula da Corte de Contas paulista, assim dispôs:

Assim entendemos que não cabe à administração a realização de serviços de Limpeza Urbana, serviços de natureza contínua mediante Ata de Registro de Preços. Este entendimento é observado também pela Súmula 31 do TCE-SP, abaixo transcrita.

SÚMULA Nº 31 – Em procedimento licitatório, é vedada a utilização do sistema de registro de preços para contratação de serviços de natureza continuada.

Em outra oportunidade, o TCE/MG voltou a considerar que a prestação de serviços de natureza contínua, com demanda certa e previsível, é incompatível com o sistema de registro de preços[2]. Vejamos:

2. A prestação de serviços de limpeza urbana é de natureza contínua, com demanda certa e previsível e, portanto, incompatível com o sistema de registro de preços.

TCE/MG. Denúncia nº 1047677. Relator Conselheiro Substituto Hamilton Coelho. Sessão Ordinária 27/11/2018.

Abordando divergência específica com o TCU, destacou, também, que:

Assim, tendo em vista que a quantidade do serviço a ser contratado, bem como o período do seu fornecimento são certos e previsíveis, não poderia ser utilizada, no presente edital, a contratação por meio de SRP.

(…)

Sob qualquer prisma de análise do caso concreto, ou seja, ainda que considerados os fundamentos da divergência entre esta Corte de Contas e o TCU, configurada está a irregularidade na adoção do sistema de registro de preços para a contratação de serviços de limpeza urbana, seja pelo fato de o sistema não se coadunar com prestações continuadas, seja por não se enquadrar o serviço nas hipóteses que autorizam a adoção do referido sistema.

TCE/MG. Denúncia nº 1047677. Relator Conselheiro Substituto Hamilton Coelho. Sessão Ordinária 27/11/2018.

Vale destacar, por fim, outra decisão do TCE/MG, mais recente que as demais, na qual a Corte de Contas estadual reforça seu já esposado entendimento. Na decisão, assim dispôs, em precedente didático:

Em análise ao Anexo III do Edital (Planilha de Quantidades e Preços – fls. 507 a 511, processo piloto), é possível perceber itens previstos que confirmam a impossibilidade de se atribuir ao objeto a necessidade de recontratação frequente, que justificaria o uso do SRP. O veículo popular 1.0, com ar condicionado e gasolina (item 41 da planilha), que será remunerado mensalmente por toda a vigência do contrato (12 meses), é um exemplo de serviço contratado que apresenta continuidade e é incompatível com a forma de contratação escolhida no caso. Por esse mesmo motivo, é incompatível, também, a contratação por SRP de softwares para telegestão (item 30) e para vídeo análise (item 35), do sistema de gerenciamento de vídeo (item 33), bem como da equipe de técnicos prevista para suporte do videomonitoramento municipal (item 32).

Há, ainda, previsão de serviços a serem executados uma única vez, como é o caso do desenvolvimento e operacionalização de aplicativo (item 38) e do fornecimento e instalação de videowall para o centro de controle operacional (item 36).

Por fim, o objeto da licitação envolve serviços que não apresentam o requisito de imprevisibilidade da demanda. (…)

(…)

Nessa esteira, entendo ser incompatível a adoção do “sistema de registro de preços” com a prestação de serviços continuados.
Assim, considerando a plausibilidade da alegação da denunciante de que seria inadequada a utilização do sistema de registro de preços na licitação em tela, haja vista ser possível a definição prévia do quantitativo demandado pelo Poder Público, bem como a incompatibilidade do prazo de validade da ata de registro de preços com a prestação de serviços continuados, entendo por atendido o requisito da probabilidade do direito, bem como caracterizado o perigo de dano consubstanciado na possibilidade de assinatura de contratos com base na Ata de Registro de Preços. Presentes, portanto, os pressupostos necessários à concessão da cautelar pleiteada pelas denunciantes.

TCE/MG. Denúncia nº 1071615. Relator Conselheiro José Alves Viana. Data da sessão: 20/08/2019.

Em sentido diverso: a permissão para a contratação de serviços contínuos por meio do sistema de registro de preços

Vale destacar, contudo, que esse entendimento, quanto a tal incompatibilidade, não é unânime, havendo precedente do TCU que admite a utilização do sistema de registro de preços para contratação de serviços contínuos[3]. Na oportunidade, entretanto, o TCU criticou o uso indevido das adesões que podem surgir das atas, preocupação constante daquela Corte, que deve ser observada pela Administração:

Ao tratar desse tema, não posso deixar de registrar preocupação constante desta Corte acerca do recorrente desvirtuamento do Sistema de Registro de Preços, provocado por numerosas contratações realizadas por instituições não participantes do processo licitatório, tendo como base as atas formadas, muitas vezes, por um único órgão/entidade.

Nesse contexto, o planejamento conjunto para a criação de uma ata deixa de ser a regra para que a adesão tardia torne-se prática comum. Notadamente por meio do acórdão 1.487/2007 – Plenário, o TCU já pugnou pela irregularidade das ilimitadas adesões a uma mesma Ata de Registro de Preços, tendo em vista a ofensa aos princípios da competição, da igualdade de condições entre os licitantes e da busca da maior vantagem para a Administração Pública.

Dessa forma, penso que o cerne da discussão é não permitir o desvirtuamento do sistema, ao invés de restringir sua utilização, que tem enormes potenciais para conferir benefícios à sociedade.

(…)

Em substituição ao aludido mandamento, entendo mais alinhada com a normatização aplicável e com o interesse público, a permissão de que o SRP seja utilizado para contratação de serviços contínuos, desde que o termo de convocação fixe os quantitativos máximos a serem contratados e que o órgão gerenciador da ata controle as adesões posteriores para que esses limites não sejam superados.

TCU. TC 016.762/2009-6. ACÓRDÃO Nº 1737/2012 – TCU – Plenário. Relatora Ministra Ana Arraes.

Em que pese eventual divergência de entendimento, é importante o gestor atentar-se a tal situação, uma vez que a própria gestão da ata de registro de preços nesses casos poderia causar dificuldades práticas que causassem perda de eficiência na gestão contratual.


[1] TCE/MG. Denúncia nº 1040516. Relator Conselheiro Wanderley Ávila. 6ª Sessão Ordinária da Segunda Câmara – 22/03/2018.

[2] TCE/MG. Denúncia nº 1047677. Relator Conselheiro Substituto Hamilton Coelho. Sessão Ordinária 27/11/2018.

[3] TCU. TC 016.762/2009-6. ACÓRDÃO Nº 1737/2012 – TCU – Plenário. Relatora Ministra Ana Arraes.

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