Competência para legislar sobre normas gerais de licitações e contratos
O art. 22, XXVII, da Constituição define que compete privativamente à União legislar sobre:
(…) normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autáquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, §1º, III;
Ao conceder à União à competência para legislar sobre normas gerais de licitação e contratação, a Constituição deixa para os demais entes federativos (estados, DF e municípios) a possibilidade de legislar sobre normas que não se enquadrariam nesse conceito, as “normas não gerais“.
Ocorre, entretanto, que a definição do que seja normas geral e do que não seja nem sempre é simples e gera polêmicas há tempos.
STF declarou constitucional norma do DF que exige licença para funcionamento na habilitação para participar de licitações
Recentemente, enfrentando questão sobre o tema, o STF decidiu pela constitucionalidade de norma do Distrito Federal que exige licença para funcionamento, expedida por órgão local de vigilância sanitária, como documento necessário à habilitação em licitação.
A licitação possuia como a execução de atividades dedicadas ao combate a insetos e roedores, à limpeza e higienização de reservatórios de água e à manipulação de produtos químicos para limpeza e conservação.
O que ocorreu foi que aos 29 de Março de 2007, foi aprovada a Lei Distrital nº 3.978/2007, defindo o seguinte em seu art. 1º:
Art. 1º Sem prejuízo de outras licenças legalmente exigíveis, os estabelecimentos que executam as atividades dedicadas ao combate a insetos e roedores, limpeza e higienização de reservatórios de água, bem como manipulação de produtos químicos para limpeza e conservação, dependerão, para o desenvolvimento dessas atividades, da Licença para Funcionamento expedida pelo órgão competente de vigilância sanitária do Distrito Federal.
O §2º desse dispositivo, por sua vez, impõe a obrigatoriedade da apresentação dessa licença no momento da habilitação para participação em licitações:
Art. 1º (…)
§ 2º A licença de Funcionamento de que trata este artigo deverá ser renovada anualmente e exigível na habilitação para participação em licitação pública, quando se tratar da contratação dos serviços de que trata este artigo.
Contra tal norma, foi ajuizada ADI argumentando pela violação da competência privativa da União para legislar sobre normas gerais de licitações e contratos.
Tal argumento, contudo, não foi acolhido pelo STF, que entende que, embora o tema de licitações não esteja no rol de competências concorrentes do art. 24, da Constituição, os entes subnacionais (estados, DF e municípios) podem estabelecer normas específicas sobre licitação, desde que respeitadas as peculiaridades regionais e a legislação federal vigente.
Isso teria com fundamentos os seguintes dispositivos constitucionais, quais sejam, o art. 25, §1º:
Art. 25. (…)
§1º São reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas por esta Consituição.
O art. 30, incisos I e II:
Art. 30. Compete aos Municípios:
I – legislar sobre assuntos de interesse local;
II – suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;
E o art. 32, §1º:
Art. 32. O Distrito Federal, vedada sua divisão em Municípios, reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos com interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços da Câmara Legislativa, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição.
§1º Ao Distrito Federal são atribuídas as competências legislativas reservadas aos Estados e Municípios.
Dessa forma, no caso em questão, se entendeu que a norma distrital trata de uma legislação específica, voltada para atender interesse regional, regulamentando um objeto específico.
Nesse sentido, o STF destacou que:
3. A Lei n. 3.978, de 29 de março de 2007, do Distrito Federal, ao exigir a apresentação de licença de funcionamento na habilitação para participar de licitação pública voltada à contratação de serviços de combate a insetos e roedores, limpeza e higienização de reservatórios de água, bem como manipulação de produtos químicos para limpeza e conservação, revela norma específica, focada no interesse regional, relacionada a objeto determinado e atividade específica, não discrepante dos princípios e diretrizes preconizados na legislação federal de regência – tanto a Lei n. 8.666/1993 quanto a de n. 14.133/2021 – e direcionada ao cumprimento do interesse público e à proteção de direitos constitucionais, como a vida e saúde.
4. A disposição impugnada visa à proteção do interesse público e da vida e saúde humanas, não apresentando correlação com a normatização de condições para o exercício de profissões, cuja atribuição normativa é reservada à União ( CF, art. 22, XVI).
STF. ADI 3963 DF. Sessãoo Virtual de 30.8.2024 a 6.9.2024.
Normas gerais e normas específicas
Observa-se, em casos como o apresentado, que a discussão gira em torno da caracterização da norma legislada como norma geral ou norma específica. Dizendo assim, parecer simples. Ocorre, entretanto, que é difícil definir critérios para se concluir pela generalidade ou especificidade das normas. Analisando os próprios precedentes das cortes superiores, não fica claro quais os parâmetros que tais tribunais se utilizam para tal definição.
Dessa forma, até então, a análise se mostra casuística, dependendo das particularidades de cada caso. Dessa forma, certas normas estaduais e municipais, no âmbito das licitações e contratos, se mostram incertas acerca de sua constitucionalidade, abrindo espaço para certa insegurança jurídica.
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