Relações institucionais governamentais, judicialização da política e um mecanismo de definição de agenda do Judiciário: o writ of certiorare

A atividade de relações institucionais governamentais (RIG), consiste na atuação profissional em um processo de decisão política, na participação na formulação de políticas públicas e na elaboração e estabelecimento de estratégias de relações governamentais, além da análise de riscos regulatórios ou normativos e da defesa de interesses dos representados nesses processos.

O profissional de relações institucionais e governamentais (RIG) representará a sociedade civil, buscando demonstrar à autoridade pública o impacto ou a necessidade de suas decisões. É por meio desse canal que o setor privado irá manter um canal de comunicação permanente com os poderes públicos, especialmente os Poderes Legislativo e Executivo.

Essa atividade profissional tem base constitucional, tendo em vista o direito de petição, garantido no rol de direitos do art. 5º, da Constituição, bem como no direito de participação do usuário na Administração Pública, consoante dispositivo do art. 37, CR.

Atividades como o lobby e o advocacy, podem integrar esse conjunto de ações definidos como relações institucionais governamentais, a fim de permitir o alcance dos objetivos propostos.

Nesse contexto, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em resolução de 2010, já destacou a importância da regulamentação do lobby e elencou princípios que deveriam nortear tal tarefa:

  • Construir um ambiente participativo, aberto e acessível;
  • Aumentar a transparência;
  • Promover a cultura de integridade (compliance);
  • Criar mecanismos de implementação, conformidade e revisão.

Ocorre, contudo, que o Poder Judiciário não parece se adaptar à lógica do lobby, de forma que a participação das partes (ou, até mesmo, de terceiro, como na figura do amicus curiae) deve seguir um procedimento detalhadamente previsto nas normativas processuais e não estar aberta a pressões políticas ou de grupos de interesse que atuem “fora do processo”.

Assim, questões políticas deveriam ficar na política, de forma que o Judiciário estivesse a disposição para debater eventuais ofensas a direitos estabelecidos. Porém, o que vem ocorrendo é uma situação na qual partidos políticos perdem a disputa de determinadas pautas no processo político e, diante disso, buscam uma nova chance de mudar o resultado de tal disputa no Poder Judiciário. Estariamos aí, diante da judicialização da política (ou seria a politização da Justiça?).

Uma ferramenta que o Judiciário estadunidense utiliza para lidar com esse dilema é o writ of certiorare, consistindo-se em um mecanismo de acesso à Suprema Corte, por meio do qual seus integrantes selecionam os casos que serão julgados anualmente.

Conforme destaca José Guilherme Berman C. Pinto, em estudo sobre o tema:

No direito estadunidense, a Suprema Corte funciona como órgão de cúpula do Poder Judiciário, sendo hierarquicamente superior a todos os demais tribunais e juízes do país, possuindo diversas competências, tanto originárias quanto recursais. Entre estas últimas, de todos os caminhos para a Suprema Corte, aquele que se dá por meio do writ of certiorare, no qual a Corte decide discricionariamente se conhece ou não de determinada questão, é o mais comum. Ao longo da história, a tendência observada é de fortalecimento do controla discricionário (via certiorari), em detrimento do controle obrigatório, tido como um direito do jurisdicionado. Atualmente, quase todos os casos analisados pela Suprema Corte chegam ali por meio deste writ.

PINTO, José Guilerme Berman C. O Writ os Certiorari. Rev. Jur. Presidência da República. Brasília, v. 9, n. 86, p. 58-86, ago./set., 2007.

Tal ferramenta tornou-se, então, um mecanismo de poder discricionário na escolha da agenda da Suprema Corte. Nesse caso, poderia haver uma escolha do que julgar e do que não julgar, lembrando que não julgar também traz consequências. A depender da execução prática desse modelo, o Judiciário poderá ter influência na definição da agenda do debate público e na atuação dos demais poderes, atraindo para si um caráter político.

Mas aí está a questão? A Suprema Corte deve possuir uma agenda em seu sentido político? Não deveria o Poder Judiciário funcionar apenas na lógica da provocação? Não deveria o Judiciário, inclusive, se conter quando estiver diante de temáticas que devam ser resolvidas na via política, a não ser, claro, quando haja violação de direitos?

Muito embora tais indagações tenham relavada importância, a realidade se impõe, e com ela a necessidade da sociedade civil afirmar interesses e defender direitos, seja pelas vias jurídicas das leis de processo, no âmbito do Judiciário, seja, de forma transparente, por meio de canais de comunicação com o Executivo e o Judiciário, fazendo uso das relações institucionais e governamentais. Somente com a devida participação da sociedade civil é que a democracia poderá se estabelecer, superando a crise de representatividade em nosso país.


Para saber mais, busque pela Cartilha de Relações Institucionais e Governamentais da Abrig.

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