Pregão com critério de julgamento por maior preço? A excepcionalidade da contratação de folha de pagamento

A modalidade do pregão e seu critério de julgamento

A modalidade pregão, adequada para aquisição de bens e serviços comuns, seja quando regulamentada pela antiga Lei nº 10.520/02, seja consoante a Nova Lei de Licitações e Contratos, Lei 14.133/21, deve se valer do critério de julgamento menor preço.

A Lei nº 14.133/21 vai além e destaca expressamente que tal modalidade de licitação também poderá se valer do critério de julgamento maior desconto, o qual já vinha sendo utilizado anteriormente, uma vez que ele tem como ponto de chegada o próprio menor preço.

Nesses termos, assim é definido o pregão na NLLC:

Art. 6º Para os fins desta Lei, consideram-se:

XLI – pregão: modalidade de licitação obrigatória para aquisição de bens e serviços comuns, cujo critério de julgamento poderá ser o de menor preço ou o de maior desconto;

Contratações que possuem peculiaridades: o mercado paga para prestar o serviço

Ocorre, contudo, que há situações excepcionais nas quais o prestador de serviço paga para ser contratado. Isto é, ao invés de receber para prestar seus serviços, o agente se dispõe a pagar para ser contratado e executá-lo. Isso ocorre em virude de peculiaridades do mercado, pelas quais o contratado consegue obter outras receitas tendo acesso àquela contratação.

Um dos principais exemplos dessa situação é a contratação da folha de pagamento pelos entes públicos. Nesse caso, os bancos se dispõem a pagar contraprestação pecuniária ao erário público, uma vez que podem obter novas receitas com a oferta de seus serviços para os novos clientes que serão adquiridos.

Ora, poder gerenciar a folha de pagamento de uma instituição permite que a instituição financeira tenha acesso a uma ampliação de sua carteira de clientes que pode ser significativa.

Em casos assim, surge o questionamento: como contratar a prestação de um serviço, pelo menor preço, nos casos em que o prestador se propõe a pagar pela contratação? Nessas hipóteses, como se pode observar, não haveria um menor preço que interessasse à Administração, mas sim um maior preço, uma vez que o valor definido será um valor a receber e não a pagar.

Em função dessa situação, diversos órgãos públicos passaram a buscar alternativas para concretizar tal contratação, se valendo, em muitos dos casos da utilização do maior preço. Ocorre, contudo, que tal critério de julgamento não é previsto para o pregão.

A possibilidade de utilização excepcional do critério de julgamento maior preço no pregão

Diante desse cenário, já é possível observar precedentes das cortes de contas estaduais, permitindo a utilização desse critério de julgamento, no pregão, em caráter exepcional. Senão, vejamos a seguinte decisão do Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo:

REPRESENTAÇÃO – LICITAÇÃO – MODALIDADE DE LICITAÇÃO – PREGÃO ELETRÔNICO – TIPO MAIOR LANCE OU OFERTA – PROCESSAMENTO E GERENCIAMENTO DOS CRÉDITOS PROVENIENTES DE FOLHA DE PAGAMENTO E PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS BANCÁRIOS AOS SERVIDORES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – IMPROCEDÊNCIA.

1. É aceitável a utilização em caráter excepcional do tipo maior preço, maior lance ou oferta para os pregões eletrônicos cujo objeto seja a alienação de folha de pagamento.

TCE/ES. Processo: 02945/2021-5. Acórdão 00001/2022-7 – Plenário. Relator Sebastião Carlos Ranna de Macedo.

Nesse sentido, já havia decidido o Tribunal de Contas da União, ainda sob a égide da Lei nº 8.666/93 e da Lei nº 10.520/02:

5. Havendo interesse de a Administração Pública Federal promover prévio procedimento licitatório para contratação de prestação de serviços, em caráter exclusivo, de pagamento de remuneração de servidores ativos, inativos e pensionistas e outros serviços similares, com a previsão de contraprestação pecuniária por parte da contratada, deverá a contratante, além de franquear acesso ao certame tanto às instituições financeiras públicas como às privadas, adotar as seguintes medidas: (…) 5.2. realizar a licitação na modalidade pregão, prevista na Lei 10.520/2001, preferencialmente sob a forma eletrônica, conforme exige o artigo 4º, §1º, do Decreto 5.450/2005, tendo por base critério “maior preço”, em homenagem ao princípio da eficiência, insculpido no caput do artigo 37 da Constituição Federal e da seleção proposta mais vantajosa para a Administração Pública, inserto no caput do artigo 3º da Lei 8.666/1993;

TCU. Acórdão 1940/2015 – Plenário.

Ainda antes, em acórdão de 2008, o TCU já havia enfrentado o tema:

9.1.2.  a adoção de critério de julgamento de propostas não previsto na legislação do Pregão, do tipo maior valor ofertado para o objeto mencionado no item anterior, somente seria admissível, em princípio, em caráter excepcional, tendo em vista o relevante interesse público da aplicação deste critério alternativo para o atingimento dos objetivos institucionais do ente público e como mecanismo concretizador do princípio licitatório da seleção da oferta mais vantajosa para a Administração. Tal especificidade deve obrigatoriamente ser motivada e justificada pelo ente público no Processo relativo ao certame, além de ter demonstrada sua viabilidade mercadológica;

TCU. Acórdão 3042/2008 – Plenário.

Nesse cenário, a adoção do critério “maior preço”, para a hipótese de contratação de serviços de gestão financeira da folha de pagamento de servidores, mediante contraprestação pecuniária da contratada, estaria em linha com as diretrizes gerais das normas sobre licitações e contratos, uma vez que daria efetividade à finalidade constitucional da proposta mais vantajosa para a Administração1.

A utilização do maior preço em concessão de uso de bem público

Enfrentando a temática da utilização do critério de julgamento maior preço, na modalidade pregão, para formalizar a concessão de uso de bem público, o Tribunal de Contas do Estado do Paraná, por meio de Consulta formulada pelo município de Tomazina, destacou o seguinte trecho exposto por sua unidade técnica:

. Há pouca disciplina sobre os contratos que geram receita para a Administração Pública;
. Para os contratos que geram receita, a estruturação do certame adequado e necessário demanda o exercício da analogia.
. a licitação na modalidade pregão, com critério de julgamento na maior oferta ou maior lance, não constitui utilização de critério de julgamento não previsto por lei, mas, sim, a utilização do critério legalmente estabelecido e plenamente adequado ao objeto do certame, com a utilização do instrumento legal mais especialmente pertinente para os objetivos da Administração, objetivando conquistar a maior vantagem à Administração no processo de disputa.
. a adoção do pregão para a concessão de uso de bens públicos se mostra especialmente louvável, porque concretiza os princípios da eficiência, isonomia, impessoalidade, moralidade, dentre outros.
. a adoção do critério de julgamento pela maior oferta, em lances sucessivos, é a adequada aplicação da lei ao caso concreto, ajustando-o à natureza do objeto do certame, restando assegurada a escolha da proposta mais vantajosa que, conjuntamente com a isonomia de todos os interessados, constituem as finalidades primeiras de todo procedimento licitatório.

TCE/PR. Processo 7595/22. Consulta. Relator Conselheiro Jose Durval Mattos do Amaral.

Nota-se, assim, que a utilização de tal critério de julgamento pode ser válida para outras situações, nas quais se gere receita para a Administração Pública.

Limitações dos sistemas eletrônicos

Cabe destacar, ainda, uma dificuldade prática que vem se apresentando aos operadores das licitações e contratos: diversos sistemas que são utilizados para a realização de um pregão eletrônico não permitem a adoção do critério de julgamento maior preço nessa modalidade. Assim, haveria uma inviabilidade técnica em certas plataformas eletrônicas para se utilizar o critério de maior preço/maior lance/maior oferta, na modalidade pregão.

Em virtude disso, a elaboração de fórmulas que alteram o valor a ser utilizado, a fim de que tal valor possa configurar no menor preço (como, por exemplo, definido pelo menor valor que subtrai de um valor total estimado), vem sendo utilizada por alguns entes públicos.

Tais escolhas, embora sejam as alternativas encontradas por certos órgãos públicos para solucionar o dilema, parece dificultar e dar complexidade a um processo que poderia ser mais simples, além de apresentarem riscos de ofensas a certos dispositivos legais.

Dessa forma, parece apropriado que os tribunais de contas e os sistemas de informação se atentem à tal questão, para que a interpretação da legislação, bem como a adaptação de tais sistemas, respectivamente, sejam ajustados a tais situações.


Para saber mais sobre o critério de julgamento maior desconto, veja:
  1. TCU. Acórdão 1940/2015 – Plenário. Relator Walton Alencar Rodrigues. ↩︎

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