Reajuste e periodicidade anual
O art. 6º, inciso LVIII, da Lei nº 14.133/21 trouxe a definição do reajustamento em sentido estrito:
LVIII – reajustamento em sentido estrito: forma de manutenção do equilíbrio econômico-financeiro de contrato consistente na aplicação do índice de correção monetária previsto no contrato, que deve retratar a variação efetiva do custo de produção, admitida a adoção de índices específicos ou setoriais;
(destaque nosso)
No que tange à tal instituto, a Lei nº 10.192/2001, que dispõe sobre medidas complementares ao Plano Real, define em seu art. 2º que:
Art. 2o É admitida estipulação de correção monetária ou de reajuste por índices de preços gerais, setoriais ou que reflitam a variação dos custos de produção ou dos insumos utilizados nos contratos de prazo de duração igual ou superior a um ano.
(destaque nosso)
§ 1o É nula de pleno direito qualquer estipulação de reajuste ou correção monetária de periodicidade inferior a um ano.
Essa lei, em seu art. 3º, §1º, prevê que, nos contratos em que seja parte órgão ou entidade da Administração Pública direta ou indireta da União, dos Estados, do DF e dos Municípios, a periodicidade anual do reajuste será contada a partir da data limite para apresentação da proposta ou do orçamento a que essa se referir.
Já a Lei nº 14.133/21, por sua vez, define em seu art. 92, §3º, que:
§ 3º Independentemente do prazo de duração, o contrato deverá conter cláusula que estabeleça o índice de reajustamento de preço, com data-base vinculada à data do orçamento estimado, e poderá ser estabelecido mais de um índice específico ou setorial, em conformidade com a realidade de mercado dos respectivos insumos.
(destaque nosso)
Nesse cenário, observa-se uma antinomia entre as normas, de forma que devemos nos recorrer aos critéios para a solução desse conflito. Assim, enquanto a Lei nº 10.192/2001 prevê que a periodicidade anual do reajuste será contada da data limite para a apresenção da proposta ou do orçamento, a Lei nº 14.133/21 dispõe que o reajustamento terá data-base vinculada à data do orçamento estimado.
Nesses termos, tendo em vista o critério cronológico, bem como o critéio da especialidade, no caso dos contratos administrativos, deve prevalecer a norma prevista na Lei nº 14.133/21.
Previsão do índice de reajuste e contratos com vigência inferior a 12 meses
Como destacado, o art. 2º, da Lei nº 10.192/2001 dispõe que é admitida a estipulação de reajuste por índice nos contratos de prazo de duração igual ou superior a um ano. A interpretação sistemática das normas pertinentes, contudo, não parece levar à conclusão de ser vedada a estipulação de índice de reajuste em contratos com vigência inferior a 12 meses.
A jurisprudência vinha entendendo que o fato de o prazo do contrato ser inferior a 1 ano não afastaria a possibilidade de prever cláusulas no edital e no contrato que assegurem o direito ao reajuste.
Nesse sentido, vale conhecer o seguinte precedente do Tribunal de Contas da União (TCU):
66. Entretanto, o estabelecimento dos critérios de reajuste dos preços, tanto no edital quanto no instrumento contratual, não constitui discricionariedade conferida ao gestor, mas sim verdadeira imposição, ante o disposto nos artigos 40, inciso XI, e 55, inciso III, da Lei 8.666/93. Assim, a sua ausência constitui irregularidade, tendo, inclusive, este Tribunal se manifestado acerca da matéria, por meio do Acórdão 2804/2010-Plenário, no qual julgou ilegal a ausência de cláusula neste sentido, por violar os dispositivos legais acima reproduzidos. Até em contratos com prazo de duração inferior a doze meses, o TCU determina que conste no edital cláusula que estabeleça o critério de reajustamento de preço (Acórdão 73/2010-Plenário, Acórdão 597/2008-Plenário e Acórdão 2715/2008-Plenário, entre outros)
TCU. Acórdão 2205/2016-TCU-Plenário, Relatora Min. Ana Arraes, Data da sessão: 24/08/2016
Tal entendimento restou consolidado no citado art. 92, §3º, da Lei nº 14.133/21 que reforça a necessidade da cláusula do índice de reajustamento de preço, independentemente do prazo de duração.
Tal norma faz sentido, quando se pensa que no termo inicial a partir do qual ocorre a contagem da periodicidade do reajuste. Ora, se o termo inicial for referente ao orçamento estimado, podendo ser anterior ao início da vigência contratual, o direito ao reajuste poderia ocorrer antes de decorrido 12 meses da vigência contratual.
O autor Egon Bockmann, tratando do tema, destacou que “seja qual for o prazo nominal fixado no contrato, o reajuste será necessário sempre que o período entre a oferta da proposta (na licitação), ou do orçamento a que essa proposta se referir, e o adimplemento da parcela exceder a 12 meses”1.
Além disso, nos contratos de escopo, mesmo que inferiores a vigência de 12 meses, estes podem ser prorrogados a fim de se concluir a execução do objeto, sendo ideal que já se estipule de antemão o índice a ser aplicado.
Quanto ao tema, o Parecer n. 00004/2019/CPLC/PGF/AGU, assim dispôs em sua ementa:
EMENTA: ADMINISTRATIVO. LICITAÇÕES E CONTRATOS. REAJUSTAMENTO DECONTRATOS ADMINISTRATIVOS COM PRAZO DE DURAÇÃO INFERIOR A UM ANO. DIFERENÇA ENTRE INTERREGNO MÍNIMO DE UM ANO (ANUALIDADE) E PRAZO DE DURAÇÃO DO CONTRATO (VIGÊNCIA). EVOLUÇÃO DO SISTEMA DE REAJUSTAMENTO DE CONTRATOS ADMINISTRATIVOS. POSSIBILIDADE JURÍDICA.
I. Entende-se ser juridicamente possível o deferimento de repactuação ou reajuste em contratos cujo objeto seja a contratação de serviços de natureza continuada, com ou sem dedicação exclusiva de mão de obra, ainda que esse contrato tenha previsão de duração de vigência inicial inferior a um ano.
II. O mesmo raciocínio se aplica ao reajuste de contratos por escopo com previsão de duração devigência inicial inferior a um ano, desde que ele esteja em execução depois de decorrido um ano da data limite de apresentação da proposta ou a data do orçamento ao qual a proposta se reporta.
III. A ausência de previsão editalícia ou contratual de cláusula de reajustamento, mesmo em função do prazo de execução ou vigência ser, originariamente, inferior a um ano, não tem o condão de afastar o direito ao reajustamento do contrato, se transcorrida a periodicidade anual determinada pela Lei nº 10.192, de 2001.
(destaque nosso)
AGU. Parecer n. 00004/2019/CPLC/PGF/AGU. Data de 23/09/2019.
Portanto, no caso de reajuste, a atenção da Administração deveria girar em torno da anualidade e não com o prazo de duração do contrato.
Reajuste retroativo e preclusão lógica do direito
- BOCKMANN, Egon. Licitação Pública, 2012, p. 171. ↩︎