Os programas de integridade
Pode-se dizer que os programas de integridade possuem suas origens nas políticas e procedimento internos adotados por um grupo de indústrias norte-americanas, nas décadas de 1970 e 1980, diante de casos de corrupção, buscando evitar desvios de conduta.
A Controladoria-Geral da União (CGU) destaca que um programa de integridade é:
“o conjunto de medidas e ações institucionais voltadas para a prevenção, detecção, punião e remediação de fraudes e atos de corrupção. Em outras palavras, é uma estrutura de incentivos organizacionais – positivos e negativos – que visa orientar e guiar o comportamento dos agentes públicos de forma a alinhá-los ao interesse público”.
CGU. Manual para implementação de programas de integridade. Julho de 2017.
A construção de tais programas envolve a articulação de determinadas diretrizes ou pilares, os quais darão azo ao seu funcionamento. Embora não haja uma regra definida de quais sejam tais diretrizes, em geral, pode-se dizer que as principais bases de um programa de integridade são:
- Comprometimento da alta administração
- Instância responsável
- Análise de riscos
- Padrões de ética e conduta e outras políticas e procedimentos
- Comunicação e treinamento
- Due diligence
- Canais de denúncia
- Medidas de controle e disciplinares
- Monitoramento contínuo
- Ações de remediação
Menções aos programas de integridade na Nova Lei de Licitações e Contratos
Desenvolvimento de programa de integridade como critério de desempate
O art. 60, IV, Lei nº 14.133/21, ao tratar do julgamento das propostas, destaca que, em caso de empate entre duas ou mais propostas, um dos critérios de desempate a ser utilizado (mais precisamente o quarto critério), será o desenvolvimento pelo licitante de um programa de integridade, conforme orientações dos órgãos de controle.
Vejamos:
Art. 60. Em caso de empate entre duas ou mais propostas, serão utilizados os seguintes critérios de desempate, nesta ordem:
(…)
IV – desenvolvimento pelo licitante de programa de integridade, conforme orientações dos órgãos de controle.
Existência de programa de integridade pode impactar a aplicação das sanções
Seguindo a linha das práticas internacionais, a Nova Lei de Licitações prevê que na aplicação das sanções em função de infraçoes administrativas, a implantação ou o aperfeiçoamento de programa de integridade, conforme normas e orientações dos órgãos de controle, será levada em conta.
Vejamos:
Art. 156. Serão aplicadas ao responsável pelas infrações administrativas previstas nesta Lei as seguintes sanções:
III – impedimento de licitar e contratar;
IV – declaração de inidoneidade para licitar ou contratar.
§ 1º Na aplicação das sanções serão considerados:
(…)
V – a implantação ou o aperfeiçoamento de programa de integridade, conforme normas e orientações dos órgãos de controle.
(grifo nosso)
A reabilitação do licitante ou contratado, em determinadas infrações, dependerá da implantação ou aperfeiçoamento de seu programa de integridade
O art. 163, da Lei nº 14.133/2021 dispõe que é admitida a reabilitação do licitante ou contratado perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, sendo exigidos, cumulativamente, os seguintes requisitos:
I – reparação integral do dano causado à Administração Pública;
III – transcurso do prazo mínimo de 1 (um) ano da aplicação da penalidade, no caso de impedimento de licitar e contratar, ou de 3 (três) anos da aplicação da penalidade, no caso de declaração de inidoneidade;
IV – cumprimento das condições de reabilitação definidas no ato punitivo;
V – análise jurídica prévia, com posicionamento conclusivo quanto ao cumprimento dos requisitos definidos neste artigo.
O parágrafo único do citado dispositivo, contudo, informa que para as infrações dos incisos VIII e XII, do caput, do art. 155, haverá outra condição a ser demandada para a reabilitação. Tais infrações são as seguintes:
Art. 155.O licitante ou o contratado será responsabilizado administrativamente pelas seguintes infrações:
VIII – apresentar declaração ou documentação falsa exigida para o certame ou prestar declaração falsa durante a licitação ou a execução do contrato;
XII – praticar ato lesivo previsto no art. 5º da Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013.
Sendo assim, para tais infrações, exgir-se-á, como condição de reabilitação do licitante ou contratado, a implantação ou aperfeiçoamento de programa de integridade.
Parágrafo único. A sanção pelas infrações previstas nos incisos VIII e XII do caput do art. 155 desta Lei exigirá, como condição de reabilitação do licitante ou contratado, a implantação ou aperfeiçoamento de programa de integridade pelo responsável.
Obrigatoriedade de implantação de programa de integridade em casos de obras, serviços e fornecimentos de grande vulto
Por fim, observa-se do art. 25, §4º, que nas contratações de obras, serviços e fornecimentos de grande vulto, o edital deverá prever a obrigatoriedade de implantação de programa de integridade pelo licitante vencedor, no prazo de 6 (seis) meses, contado da celebração do contrato.
Vejamos:
§ 4º Nas contratações de obras, serviços e fornecimentos de grande vulto, o edital deverá prever a obrigatoriedade de implantação de programa de integridade pelo licitante vencedor, no prazo de 6 (seis) meses, contado da celebração do contrato, conforme regulamento que disporá sobre as medidas a serem adotadas, a forma de comprovação e as penalidades pelo seu descumprimento.
Além disso, como se observa do dispositivo legal, deverá ser editado regulamento para dispor sobre as medidas a serem adotadas, a forma de comprovação e as penalidades pelo descumprimento da obrigação.
A avaliação dos programas de integridade das empresas contratadas pela Administração Pública
Nesse cenário, observa-se que a NLLC dá importância à implantação de um programa de integridade por seus fornecedores, ora colocando-o como critério de desempate, ora como incentivo para ser levado em conta em caso de aplicação de penalidades.
Questiona-se, contudo, quais seriam os critérios para avaliar se tal programa atende a requisitos mínimos desejáveis. Ora, se não houver um parâmetro, as empresas poderiam montar programas de integridade “para inglês ver”, sem de fato possuírem alguma função na organização, a fim de se valer dos benefícios legais da implantação desses programas.
Diante disso, a União publicou o Decreto nº 12.304/2024 que dispõe sobre os parâmetros e a avaliação dos programas de integridade, para as hipóteses de:
- contratação de obras, serviços e fornecimentos de grande vulto;
- desempate de propostas; e de
- reabilitação de licitante ou contratado.
O regulamento, embora federal, também se aplica às contratações realizadas nos níveis estadual, distrital e municipal, com recursos oriundos de transferências voluntárias da União.
O decreto traz em seu texto os parâmetros de avaliação dos programas de integridade. Nesse sentido, vejamos:
Art. 3º O programa de integridade será avaliado, quanto a sua implantação, seu desenvolvimento ou a seu aperfeiçoamento, de acordo com os seguintes parâmetros:
I – comprometimento da alta direção da pessoa jurídica, incluídos os conselhos, evidenciado pelo apoio visível e inequívoco ao programa e pela destinação de recursos adequados;
II – padrões de conduta, código de ética, políticas e procedimentos de integridade, aplicáveis a todos os empregados e administradores, independentemente do cargo ou da função exercida;
III – padrões de conduta, código de ética e políticas de integridade estendidas, quando necessário, a terceiros, como fornecedores, prestadores de serviço, agentes intermediários e associados;
IV – treinamentos e ações de comunicação periódicos sobre o programa de integridade;
V – gestão adequada de riscos, incluída sua análise e reavaliação periódica, para a realização de adaptações necessárias ao programa de integridade e para a alocação eficiente de recursos;
VI – registros contábeis que reflitam de forma completa e precisa as transações da pessoa jurídica;
VII – controles internos que assegurem a pronta elaboração e a confiabilidade de relatórios e demonstrações financeiras da pessoa jurídica;
VIII – procedimentos específicos para prevenir fraudes e ilícitos no âmbito de processos licitatórios, na execução de contratos administrativos ou em qualquer interação com o setor público, ainda que intermediada por terceiros, como pagamento de tributos, sujeição a fiscalizações ou obtenção de autorizações, licenças, permissões e certidões;
IX – mecanismos específicos para assegurar o respeito aos direitos humanos e trabalhistas e a preservação do meio ambiente;
X – independência, estrutura e autoridade da instância interna responsável pela aplicação do programa de integridade e pela fiscalização de seu cumprimento;
XI – canais de denúncia de irregularidades, abertos e amplamente divulgados a funcionários e terceiros, e mecanismos destinados ao tratamento das denúncias e à proteção de denunciantes de boa-fé;
XII – medidas disciplinares em caso de violação do programa de integridade;
XIII – procedimentos que assegurem a pronta interrupção de irregularidades ou de infrações detectadas e a tempestiva remediação dos danos gerados;
XIV – diligências apropriadas, baseadas em risco, para:
a) contratação e, conforme o caso, supervisão de terceiros, como fornecedores, prestadores de serviço, agentes intermediários, despachantes, consultores, representantes comerciais e associados;
b) contratação e, conforme o caso, supervisão de pessoas expostas politicamente e de seus familiares, colaboradores e pessoas jurídicas de que participem; e
c) realização e supervisão de patrocínios e doações;
XV – verificação, durante os processos de fusões, aquisições e reestruturações societárias, do cometimento de irregularidades ou ilícitos ou da existência de vulnerabilidades nas pessoas jurídicas envolvidas;
XVI – transparência e responsabilidade socioambiental da pessoa jurídica; e
XVII – monitoramento contínuo do programa de integridade com vistas ao seu aperfeiçoamento na prevenção, na detecção e no combate à ocorrência de fraudes, de irregularidades, de atos lesivos praticados contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e de condutas que atentem contra os direitos humanos e trabalhistas e o meio ambiente.
Vale destacar, ainda, que no âmbito federal, a Controladoria-Geral da União irá exercer funções preventivas e repressivas junto às pessoas jurídicas que irão apresentar seus programas de integridade, seja orientando, supervisionando e avaliando, seja conduzindo processo de responsabilização nos casos de práticas de infrações.