Tanto a revogada Lei nº 8.666/93, quanto à Nova Lei de Licitações e Contratos, a famigerada Lei nº 14.133/2021, estabelecem certas cláusulas como essenciais aos contratos administrativos.
Nesse sentido, o art. 92, da Lei nº 14.133/2021 define diversas cláusulas que são necessárias em TODO contrato. Sabe-se, contudo, que a eventual ausência de uma dessas cláusulas é um possibilidade. Mesmo com a padronização de documentos e fluxos, a prática da Administração apresenta dificuldades que podem impactar na elaboração dos editais e das minuta contratuais de um processo licitatório, acarretando a omissão de uma cláusula obrigatória.
Tal omissão de cláusulas obrigatórias em contratos governamentais tem uma solução própria no direito norte-americano, intitulada Doutrina Christian (Christian Doctrine). Em síntese, a solução dada por essa doutrina é a consideração de que as cláusulas contratuais obrigatórias por lei devem ser consideradas como escritas no contrato ainda que omitidas. (G. L. Christian and Associates v. the Unites States, Disponível em: https://law.justia.com/cases/federal/appellate-courts/F2/312/418/53812/)
Trazendo o histórico da origem do instituto, assim dispõe Caio Felipe Caminha de Albuquerque:
A problemática que deu origem à teoria surgiu quando a empresa G.L. Christian and Associates foi contratada pelo exército dos Estados Unidos para a construção de duas mil casas para soldados em Louisiana. Durante a execução contratual, o forte onde as casas ficariam localizadas foi desativado, levando o exército a extinguir o contrato alegando a cláusula de extinção por conveniência do governo, que está prevista no regulamento de aquisições das forças armadas. Entretanto, a cláusula não estava expressamente prevista no contrato assinado e, por isso, o contratado cobrou o pagamento de um montante diverso a título de rescisão contratual daquele derivado da aplicação da cláusula em questão.
No julgamento do caso, restou decidido que as cláusulas contendo uma “vertente profundamente arraigada da política de contratação pública” devem ser consideradas como incluídas no contrato, ainda que omitidas. Dessa forma, não é qualquer cláusula que pode ser automaticamente incorporada ao contrato, mas apenas aquelas i) obrigatórias; e ii) capazes de expressar relevantes princípios governamentais.
ALBUQUERQUE, Caio Felipe Caminha de. Soluções para a ausência de índice de reajuste nos contratos administrativos com a contribuição da Doutrina Christian. Zênite Fácil, categoria Doutrina, 14 set. 2023.
Sendo assim, haveria a necessidade do cumprimento de dois requisitos, de forma que somente poderiam ser consideradas incluídas no contrato aquelas cláusulas que fossem (a) obrigatórias e (b) capazes de expressar relevantes princípios governamentais.
Em tradução livre, assim restou disposto na decisão original do caso:
Por todas essas razões, acreditamos que é adequado e juridicamente correto interpretar o artigo de rescisão exigido pelo Regulamento de Aquisições como necessariamente aplicável ao presente contrato e, portanto, incorporado a ele por força de lei.
GL Christian and Associates v. Estados Unidos, 312 F.2d 418 (Ct. Cl. 1963). Disponível em: https://law.justia.com/cases/federal/appellate-courts/F2/312/418/53812/
Dessa forma, esse entendimento pode fudamentar determinadas interpretações e dar segurança jurídica a casos práticos que se impõe na realidade da gestão de contratos no Poder Público nacional. Nesse sentido, eventual omissão de cláusula obrigatória no contrato administratido, não impediria de reconhecê-la como prevista no instrumento contratual, desde que trate-se de cláusula que expresse relevante princípio governamental (esperando-se, inclusive, que fosse do conhecimento do contratado).