O que sobrou para os convênios? ou Contratualização no âmbito do SUS

A Constituição prevê a possibilidade de participação das instituições privadas no Sistema Único de Saúde, de forma complementar:

Art. 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.

§ 1º – As instituições privadas poderão participar de forma complementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos.

Observa-se, do dispositivo citado, que tal participação se dará mediante contrato de direito público ou convênio.

Regulamentando o tema, o art. 24, da Lei nº 8.080/90, dispõe que:

Art. 24. Quando as suas disponibilidades forem insuficientes para garantir a cobertura assistencial à população de uma determinada área, o Sistema Único de Saúde (SUS) poderá recorrer aos serviços ofertados pela iniciativa privada.

Parágrafo único. A participação complementar dos serviços privados será formalizada mediante contrato ou convênio, observadas, a respeito, as normas de direito público.

Em seguida, observa-se que a Portaria nº 2.567/2016, do Ministério da Saúde, dispõe sobre a participação complementar da iniciativa privada na execução de ações e serviços de saúde e o credenciamento de prestadores de saúde no Sistema Único de Saúde. Seu art. 3º traz maior detalhamento acerca do tema. Senão, vejamos:

Art. 3º Nas hipóteses em que a oferta de ações e serviços de saúde públicos próprios forem insuficientes e comprovada a impossibilidade de ampliação para garantir a cobertura assistencial à população de uma determinado território, o gestor competente poderá recorrer aos serviços de saúde ofertados pela iniciativa privada.

§ 1º Na complementação dos serviços de saúde deverão ser observados os princípios e as diretrizes do SUS e as normas técnicas e administrativas aplicáveis.

§ 2º Assegurada a preferência às entidades filantrópicas e sem fins lucrativos e ainda persistindo a necessidade quantitativa dos serviços demandados, o ente público recorrerá às entidades com fins lucrativos.

§ 3º A participação complementar das instituições privadas de assistência à saúde no SUS será formalizada mediante a celebração de contrato ou convênio com o ente público, observando-se os termos da Lei nº 8.666, de 1993, e da Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, de acordo com os seguintes critérios:

I – convênio: firmado entre ente público e a instituição privada sem fins lucrativos, quando houver interesse comum em firmar parceria em prol da prestação de serviços assistenciais à saúde; e

II – contrato administrativo: firmado entre ente público e instituições privadas com ou sem fins lucrativos, quando o objeto do contrato for a compra de serviços de saúde.

No mesmo sentido, o art. 24, da Seção I – Do Instrumento Formal de Contratualização, do Capítulo V – Da Contratualização, do Anexo 2, do Anexo XXIV, da Portaria de Consolidação nº 02/2017, que traz a consolidação das normas sobre as políticas nacionais de saúde do Sistema Único de Saúde.

Nesses dispositivos, nota-se que foi estabelecido critério objetivo para a utilização de convênio ou contrato administrativo. Tal critério é relevante na análise do presente caso, tendo em vista que a opção por um ou outro instrumento irá atrair um ou outro regime jurídico a ser aplicado, ou seja, um conjunto de normas e procedimento específicos.

Assim, dada a importância do tema, vale repetir os critérios estabelecidos:

  • I – convênio: firmado entre ente público e a instituição privada sem fins lucrativos, quando houver interesse comum em firmar parceria em prol da prestação de serviços assistenciais à saúde; e
  • II – contrato administrativo: firmado entre ente público e instituições privadas com ou sem fins lucrativos, quando o objeto do contrato for a compra de serviços de saúde.

Assim, no caso de ser uma instituição sem fins lucrativos, o Poder Público dispõe da possibilidade de realizar convênio ou contrato. Contudo, não parece haver aqui liberdade ampla, devendo tal decisão levar em conta a natureza da relação a ser estabelecida. No caso de existência de interesse comum em firmar parceria em prol da prestação de serviços assistenciais à saúde, deverá ser estabelecido convênio. Quando o objeto da relação jurídica for a compra de serviços de saúde, deverá ser pactuado por meio de contrato.

Convênio, em sentido amplo, pode ser entendido como a relação entre duas ou mais pessoas que conjugam esforços para a obtenção de um objetivo comum previamente ajustado, dentro da esfera de competência dos envolvidos, voltado ao benefício próprio ou de terceiros. Assim, podem ser convênios relações de parceria entre duas entidades estatais, dois entes privados ou entre uma entidade estatal e um ente privado, esta última a que está prevista no art. 199, parágrafo primeiro, da Constituição, citado no início desse artigo.

Com o passar do tempo, novas modalidades de parceria foram introduzidas no ordenamento pátrio por legislação específica, como os contratos de gestão (Lei nº 9.637/98), os termos de parceria (Lei nº 9.790/99), os termos de colaboração, termos de fomento e acordos de cooperação (Lei nº 13.019/2014, a qual, inclusive, informa expressamente que não se aplica aos convênios e contratos celebrados com entidades filantrópicas e sem fins lucrativos nos termos do art. 199, §1º, CF), agregando-se aos convênios público-privados do art. 116, da Lei nº 8.666/93, anteriormente regulamentado pelo Decreto 93.872/86 e pelo Decreto-Lei nº 200/67.

Nesse cenário, considera-se que o art. 199, §1º, da Constituição Federal faz referência aos convênios público-privados em sentido amplo, abrangindo os convênio público-privados em sentido estrito, os termos de parceria, os contratos de gestão, os termos de colaboração e termos de fomento e os acordos de cooperação.

Dessa forma, e com o advento da Lei nº 13.019/2014, os convênios em sentido estrito acabaram com o âmbito de incidência bastante restrito, limitados à celebração de parcerias no setor de saúde, entre o Poder Público e entidades privadas sem fins lucrativos que tenham como objeto a prestação complementar de serviços de saúde no âmbito do SUS e entre entes federados ou pessoas jurídicas a ele vinculadas, que possui inclusive previsões constitucionais. É, inclusive, o que prevê o art. 84-A, desse diploma legal:

Art. 84-A. A partir da vigência desta Lei, somente serão celebrados convênios nas hipóteses do parágrafo único do art. 84.

E assim dispõe o art. 84, parágrafo único:

Art. 84. (…)

Parágrafo único. São regidos pelo art. 116, da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, convênios:

I – entre entes federados ou pessoas jurídicas a eles vinculadas;

II – decorrentes da aplicação do disposto no inciso IV do art. 3º .

Por fim, destaca-se que o art. 184 da Nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133/2021), replicando o previsto no antigo art. 116, da Lei nº 8.666/93, informa que aplicam-se as disposições da Lei nº 14.133/21, no que couber e na ausência de norma específica, aos convênios, acordos, ajustes e outros instrumentos cogêneres celebrados por órgãos e entidades da Administração Pública, na forma estabelecida em regulamento do Poder Executivo federal.

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