Limites quantitativos para a realização de aditivos de valor na Lei nº 14.133/21

Os limites quantitativos e a vedação a sua extrapolação na Lei nº 8.666/93

Quem já atua na área de licitações e contratos há alguma tempo, certamente já enfrentou a questão da limitação quantitativa para a realização de aditivos contratuais. Embora comportasse eventual exceção interpretativa, concretizado no já clássico precedente do TCU (Decisão 215/1999), a redação que dispunha acerca de tal limitação na Lei nº 8.666/93 trazia dois pontos:

  • Primeiramente, dispunha que o contratado estaria obrigado a aceitar, nas mesmas condições contratuais, os acréscimos ou supressões que se fizessem nas obras, serviços ou compras, até 25% e, no caso de reforma de edifício ou equipamento, até o limite de 50% para seus acréscimo.
  • Além disso, informava que nenhum acréscimo ou supressão poderia exceder os limites de 25%, no caso de obras, serviços ou compras, ou de 50%, no caso de acréscimos em reformas de edifício ou equipamento, salvo as supressões resultantes de acordo entre as partes.

A base de cálulo para se aferir esses limites é o valor atualizado do contrato, qual seja, o valor inicial do contrato com seus respectivos reajustes, revisões e repactuações. Assim, seria o valor inicial do contrato corrigido, não alterado.

Assim, cabe trazer à baila o antigo dispositivo, presente na Lei nº 8.666/93,. Sendo assim, vejamos o art. 65 e seu §1º, Lei 8.666/93:

Art. 65.  Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos:

I – unilateralmente pela Administração:

a) quando houver modificação do projeto ou das especificações, para melhor adequação técnica aos seus objetivos;

b) quando necessária a modificação do valor contratual em decorrência de acréscimo ou diminuição quantitativa de seu objeto, nos limites permitidos por esta Lei;

II – por acordo das partes:

a) quando conveniente a substituição da garantia de execução;

b) quando necessária a modificação do regime de execução da obra ou serviço, bem como do modo de fornecimento, em face de verificação técnica da inaplicabilidade dos termos contratuais originários;

c) quando necessária a modificação da forma de pagamento, por imposição de circunstâncias supervenientes, mantido o valor inicial atualizado, vedada a antecipação do pagamento, com relação ao cronograma financeiro fixado, sem a correspondente contraprestação de fornecimento de bens ou execução de obra ou serviço;

d) para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de conseqüências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual.

§ 1o  O contratado fica obrigado a aceitar, nas mesmas condições contratuais, os acréscimos ou supressões que se fizerem nas obras, serviços ou compras, até 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial atualizado do contrato, e, no caso particular de reforma de edifício ou de equipamento, até o limite de 50% (cinqüenta por cento) para os seus acréscimos.

§ 2o  Nenhum acréscimo ou supressão poderá exceder os limites estabelecidos no parágrafo anterior, salvo:   

I – (VETADO)  

II – as supressões resultantes de acordo celebrado entre os contratantes.       

Excepcionando tal dispositivo, o TCU, em precedente de 1999, admitiu o extrapolamento de tais limites, na hipótese de alterações contratuais consensuais, qualitativas e excepcionalíssimas, respeitando os princípios da Administração Pública e os requisitos indicados naquela decisão. Senão, vejamos:

a) tanto as alterações contratuais quantitativas – que modificam a dimensão do objeto – quanto as unilaterais qualitativas – que mantêm intangível o objeto, em natureza e em dimensão, estão sujeitas aos limites preestabelecidos nos §§ 1º e 2º do art. 65 da Lei nº 8.666/93, em face do respeito aos direitos do contratado, prescrito no art. 58, I, da mesma Lei, do princípio da proporcionalidade e da necessidade de esses limites serem obrigatoriamente fixados em lei;

b) nas hipóteses de alterações contratuais consensuais, qualitativas e excepcionalíssimas de contratos de obras e serviços, é facultado à Administração ultrapassar os limites aludidos no item anterior, observados os princípios da finalidade, da razoabilidade e da proporcionalidade, além dos direitos patrimoniais do contratante privado, desde que satisfeitos cumulativamente os seguintes pressupostos:

I – não acarretar para a Administração encargos contratuais superiores aos oriundos de uma eventual rescisão contratual por razões de interesse público, acrescidos aos custos da elaboração de um novo procedimento licitatório;

II – não possibilitar a inexecução contratual, à vista do nível de capacidade técnica e econômico-financeira do contratado;

III – decorrer de fatos supervenientes que impliquem em dificuldades não previstas ou imprevisíveis por ocasião da contratação inicial;

IV – não ocasionar a transfiguração do objeto originalmente contratado em outro de natureza e propósito diversos;

V – ser necessárias à completa execução do objeto original do contrato, à otimização do cronograma de execução e à antecipação dos benefícios sociais e econômicos decorrentes;

VI – demonstrar-se – na motivação do ato que autorizar o aditamento contratual que extrapole os limites legais mencionados na alínea “a”, supra – que as conseqüências da outra alternativa (a rescisão contratual, seguida de nova licitação e contratação) importam sacrifício insuportável ao interesse público primário (interesse coletivo) a ser atendido pela obra ou serviço, ou seja gravíssimas a esse interesse; inclusive quanto à sua urgência e emergência;

TCU. Decisão 215-1999-Plenário. Ministro Relator Adhemar Paladini Ghisi.

Sendo assim, em casos excepcionalíssimos, havia entendimento pela possibilidade de se ultrapassar os limites previstos na Lei nº 8.666/93, desde que cumpridos os pressupostos previstos na decisão do TCU.

A regulação do tema na Lei nº 14.133/21

De qualquer forma, mesmo com a existência de entendimentos como o citado acima, que mitigam o disposto na lei, sabe-se que a Lei nº 14.133/2021 manteve regra que traz limites quantitativos às alterações contratuais. Ocorre, entretanto, que houve uma pequena alteração na redação de tal regra, a qual pode, ocasionalmente, dar azo à novas interpretações para o dispositivo. Nesse sentido, vejamos os arts. 124 e 125, da Nova Lei de Licitações e Contratos:

Art. 124. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos:

I – unilateralmente pela Administração:

a) quando houver modificação do projeto ou das especificações, para melhor adequação técnica a seus objetivos;

b) quando for necessária a modificação do valor contratual em decorrência de acréscimo ou diminuição quantitativa de seu objeto, nos limites permitidos por esta Lei;

II – por acordo entre as partes:

a) quando conveniente a substituição da garantia de execução;

b) quando necessária a modificação do regime de execução da obra ou do serviço, bem como do modo de fornecimento, em face de verificação técnica da inaplicabilidade dos termos contratuais originários;

c) quando necessária a modificação da forma de pagamento por imposição de circunstâncias supervenientes, mantido o valor inicial atualizado e vedada a antecipação do pagamento em relação ao cronograma financeiro fixado sem a correspondente contraprestação de fornecimento de bens ou execução de obra ou serviço;

d) para restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe ou em decorrência de fatos imprevisíveis ou previsíveis de consequências incalculáveis, que inviabilizem a execução do contrato tal como pactuado, respeitada, em qualquer caso, a repartição objetiva de risco estabelecida no contrato.

(….)

Art. 125. Nas alterações unilaterais a que se refere o inciso I do caput do art. 124 desta Lei, o contratado será obrigado a aceitar, nas mesmas condições contratuais, acréscimos ou supressões de até 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial atualizado do contrato que se fizerem nas obras, nos serviços ou nas compras, e, no caso de reforma de edifício ou de equipamento, o limite para os acréscimos será de 50% (cinquenta por cento).

Em síntese, a diferença consiste em que, enquanto na Lei nº 8.666/93 falava-se que NENHUM ACRÉSCIMO OU SUPRESSÃO poderia exceder os limites estabelecidos, salvo as SUPRESSÕES resultantes de acordo celebrado entre os contratantes, a Lei nº 14.133/2021 não trouxe dispositivo no mesmo sentido (não há regra similar ao art. 65, §2º, Lei nº 8.666/93), limitando-se a declarar que nas ALTERAÇÕES UNILATERAIS, o contratatado será obrigado a aceitar acréscimos e supressões até os limites ali estabelecidos.

Nesse sentido, alguns especialistas no tema passaram a considerar que a Lei nº 14.133/2021 excluiu as alterações contratuais consensuais dos limites percentuais. Nesse caso, nas alterações unilaterais, os contratados seriam obrigados a aceitar as alterações até os limites ali definidos. Caso sejam ultrapassados tais limites, não haveria obrigação de aceite por parte do contratado, contudo, se ele estivesse de acordo, tal alteração seria permitida.

Ainda não se sabe qual será o entendimento a ser consolidado pela doutrina e jurisprudência, tampouco se estamos próximos da pacificação desse tema. Sabe-se, contudo, que, independentemente da interpretação a ser dada, os princípio regentes da atuação administrativa devem ser respeitados nos casos concretos.

Não seria razoável admitir que alterações contratuais, mesmo que consensuais, produzissem acréscimos ou supressões que, em razão de seu volume, descaracterizassem o contrato original. Além disso, tampouco parece respeitar os princípios da Administração Pública a existência de uma alteração contratual que produzisse um resultado que, caso fosse previsto no processo licitatório, poderia ter atraído uma gama maior de licitantes, o que traria novo formato para a dinâmica concorrencial do certame.

Reflexões finais: alterações unilaterais e consensuais

Por fim, é interessante levantar um questionamento: as alterações qualificadas pela lei como unilaterais (art. 124, I, a e b, da Lei nº 14.133/2021), tornariam-se consensuais se houver a concordância da contratado ou não perdem o caráter de unilaterais dado pela lei? Isto é, a concordância do contratado é capaz de retirar as alterações qualificadas como unilaterais pela Lei nº 14.133/2021 deste lugar? A resposta para esse questionamento também será essencial para a devida aplicação prática dos limites quantitativos legais à realização dos aditivos contratuais.

Pode-se pensar que no momento em que o contratado aceita que determinada alteração contratual unilateral ultrapasse os limites previstos no art. 125, Lei nº 14.133/21, tal alteração entraria na qualidade de alteração consensual. Ao contrário, pode-se entender que ela não perde a natureza de alteração unilateral, tendo em vista a classificação legal, do art. 124, inciso I, Lei nº 14.133/2021. Nesse segundo entendimento, poderia-se considerar que haveria alterações unilaterais, nas quais o contratado poderia aceitar alterações acima do limite previsto no art. 125, Lei nº 14.133/21. Por outro lado, seria possível entender que, por não perder a natureza de alteração unilateral, o contratado não deveria se manifestar, tendo os limites do art. 125, Lei nº 14.133/21 aplicação direta.

1 comentário em “Limites quantitativos para a realização de aditivos de valor na Lei nº 14.133/21”

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