Contratos simultâneos para o mesmo objeto
Embora não houvesse expressa vedação legal, em regra não se admitia a coexistência de dois contratos para o mesmo objeto, sob a égide da Lei nº 8.666/93, tendo em vista a ocorrência de eventuais prejuízos econômicos, bem como possíveis ofensas aos princípios do planejamento, da eficiência e da isonomia.
Nesse sentido, já decidiu o Tribunal de Contas da União:
“REPRESENTAÇÃO. SOBREPOSIÇÃO DE SERVIÇOS JÁ CONTRATADOS COM AQUELES OBJETO
DE LICITAÇÃO EM ANDAMENTO. AUSÊNCIA DE JUSTIFICATIVA. DETERMINAÇÃO.1. Considera-se procedente representação para determinar à entidade que se abstenha de dar continuidade à licitação, uma vez que não foi justificada a sobreposição de serviços já contratados com aqueles objeto da licitação em andamento e que alguns desses serviços sobrepostos já foram executados pela contratada, o que sinaliza um potencial prejuízo ao erário, ante a hipótese de pagamentos em duplicidade.
2. Mesmo que sejam relevantes os motivos para não-continuidade ou rescisão de contrato já firmado, o que se admite apenas por hipótese, deve a Administração justificá-los de modo a possibilitar ao contratado a defesa de seus direitos, não sendo possível simplesmente desconsiderar a avença e realizar novo certame. (…)
4. Quanto ao mérito, observo que, após instada a se manifestar, a Secretaria Estadual de Meio Ambiente não trouxe respostas satisfatórias para a questão. Não foram explicitados os motivos da não-continuação do contrato já firmado, nem foi justificada a sobreposição de serviços já contratados com aqueles objeto da licitação em andamento. Ademais, a unidade técnica constatou que alguns desses serviços sobrepostos já foram executados pela contratada, o que sinaliza um potencial prejuízo ao erário, ante a hipótese de pagamentos em duplicidade.”
TCU. Acórdão 2080/2005. Primeira Câmara. No mesmo sentido: TCU. Acórdão 7295/2013. Segunda Câmara e TCU. Acórdão
2650/2010. Plenário.
Por outro lado, havia entendimento de que, em caráter excepcional, e com justificativa plausível, seria possível, quando indispensável para a continuidade da execução do objeto, haver a existência simultânea de contratos para a prestação do mesmo serviço, o qual não poderia sofrer solução de continuidade, sob pena de dano ao interesse público.
A Lei nº 14.133/21, por sua vez, passou a prever, expressamente, a possibilidade de se contratar mais de uma empresa para executar o mesmo serviço, desde que atendidas determinadas condições.
Senão, vejamos:
Art. 49. A Administração poderá, mediante justificativa expressa, contratar mais de uma empresa ou instituição para executar o mesmo serviço, desde que essa contratação não implique perda de economia de escala, quando:
I – o objeto da contratação puder ser executado de forma concorrente e simultânea por mais de um contratado; e
II – a múltipla execução for conveniente para atender à Administração.
Parágrafo único. Na hipótese prevista no caput deste artigo, a Administração deverá manter o controle individualizado da execução do objeto contratual relativamente a cada um dos contratados.
De qualquer forma, vale destacar, a adoção de tal medida requer sua devida justificativa, a qual deverá se basear em argumentos técnicos, a partir de estudos prévios, que demonstrem a eficiência, economicidade e adequação da decisão de se manter contratos simultâneos.
Mesmo item registrado em diferentes atas de registro de preços simultâneas
No que tange ao sistema de registro de preços, a utilização simultânea de duas atas de registro de preços com o mesmo item registrado, pode encontrar guarida no ordenamento, caso não resulte em prejuízo ao erário e seja tecnicamente justificável.
Quanto ao tema, vale trazer à baila trecho de relatório de auditoria do Tribunal de Contas da União. Senão, vejamos:
24.15 Por fim, quanto à utilização simultânea de duas atas de registro de preço – ARP – válidas com preços distintos para o mesmo produto, os responsáveis encerram afirmando que:
– o segundo contrato somente é utilizado em casos de atraso na entrega ou falta do material no fornecedor;
– nem todos os contratos previam fornecimento para todas as unidades do GHC.
24.16 A existência simultânea de duas atas de registro de preço – ARP – válidas com preços distintos para o mesmo produto – dentro de qualquer hospital público não deve ser, a princípio, condenável. Revela-se como medida de cautela e segurança para garantir o fluxo permanente de abastecimento em instituições de funcionamento contínuo, como hospitais. Todavia, a utilização de RP de produto com valor mais elevado somente pode ser justificada em poucas situações: quando o fornecedor do produto de menor valor registrado deixa de entregar ou atrasa o abastecimento; quando o produto não atende as especificações do edital; quando o hospital testa novos ou diferentes produtos de melhor desempenho.
24.17 No presente caso, fora das justificáveis situações acima, a utilização de produto com preço registrado de valor mais elevado, quando existe o mesmo produto de menor valor registrado simultaneamente no âmbito do GHC, indica falhas na gestão das ARPs. A divisão dos quantitativos de produtos entre os hospitais componentes do GHC nos editais e o não compartilhamento dos produtos (ninguém pega carona de ninguém) é uma medida de organização interna do GHC e decorre da falta de gerenciamento integrado das atas de RP para as três unidades do GHC , conforme já apontado no item 23 acima. Como consequência dessa sistemática, alguns produtos têm sido adquiridos de forma antieconômica. Um possível fator para atenuar a responsabilidade dos gestores é o fato de o GHC ser composto por três hospitais com CNPJ próprio à época dos fatos. Atualmente, o GHC está realizando procedimentos para a unificação do CNPJ dos três hospitais que compõe o Grupo (incorporação do HCR e HF ao HNSC autorizada no Decreto 7.718/2012). Assim, será proposto ao final que o GHC institua mecanismos de controle para gerenciamento integrado de suas atas de registro de preços, de forma a evitar as ocorrências aqui descritas, que estão em desacordo com o Decreto 3.931/2001 (art. 3º, § 2º), revogado na íntegra pelo Decreto nº 7.892/2013 (art. 5º).
TCU. TC 026.753/2012-0. Relatório de Auditoria.
No acórdão do caso, contudo, o TCU foi claro ao afirmar que:
ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão Plenária, em face das razões expostas pelo Relator, em:
9.3. recomendar ao Grupo Hospitalar Conceição, com base no art. 250, III, do Regimento Interno do TCU, que:
9.3.8. gerencie de forma integrada a utilização de suas atas de registro de preços, de modo a evitar a utilização simultânea de atas válidas e com preços distintos para o mesmo produto, com possível aquisição antieconômica;
TCU. Acórdão Nº 249/2014 – 2ª Câmara
Portanto, nesse caso, a utilização simultânea de atas de registro de preços, desde que não importe em antieconomicidade, poderá, em certos casos, ser opção que garanta o atendimento ao interesse público.
Na Nova Lei de Licitações e Contratos, contudos, pode ser que a questão ganhe novos contornos, tendo em vista a possibilidade expressa de serem previstos preços diferentes na ata de registro de preços, nos termos e nas condições estabelecidas no art. 82, III, da Lei nº 14.133/2021, tema que será tratado em outro post no blog!