Contratações e prorrogações em final de mandato e o art. 42, da Lei de Responsabilidade Fiscal

As contratações e prorrogações contratuais em final de mandato devem atender ao art. 42, da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF):

Art. 42. É vedado ao titular de Poder ou órgão referido no art. 20, nos últimos dois quadrimestres do seu mandato, contrair obrigação de despesa que não possa ser cumprida integralmente dentro dele, ou que tenha parcelas a serem pagas no exercício seguinte sem que haja suficiente disponibilidade de caixa para este efeito.

Dessa forma, a legislação aponta para a necessidade de suficiente disponibilidade de caixa para que se possa contrair obrigação de despesa que tenha parcelas a serem pagas no exercício seguinte, como ocorre no presente caso.

Sendo assim, a Lei de Responsabilidade Fiscal, no contexto do final de mandato (últimos dois quadrimestres), vai além da previsão da Lei de Licitações e Contratos, a qual, em seu art. 7º, §2º, III, Lei nº 8.666/93 exige a previsão de recursos orçamentários:

Art. 7º. (…)

§ 2o  As obras e os serviços somente poderão ser licitados quando:

III – houver previsão de recursos orçamentários que assegurem o pagamento das obrigações decorrentes de obras ou serviços a serem executadas no exercício financeiro em curso, de acordo com o respectivo cronograma;

Quanto ao tema, então, vale trazer a distinção entre previsão de recursos orçamentários e disponibilidade de caixa. Nesse sentido, vale trazer à baila trecho de decisão do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCE/MG), em Consulta realizada que trazia a seguinte indagação:

Qual entendimento deste Tribunal para verificação da disponibilidade de caixa e de recursos orçamentários para as contratações (obras e serviços) a serem executadas em etapas que ultrapassem o exercício financeiro do final de mandato?

Inicialmente, convém esclarecer que, embora o agente público utilize as expressões “recursos orçamentários” e “disponibilidade de caixa” em seu questionamento, os dois conceitos não se confundem, consoante anotou a 1ª CFM no relatório técnico:

Relativamente a segunda indagação do consulente, é importante destacar inicialmente que a previsão de recursos orçamentários não se confunde com a disponibilidade de recursos financeiros, sendo que a primeira é uma previsão de gastos estabelecida na lei orçamentária e, a segunda, refere-se à existência de numerário disponível para pagamento no momento oportuno.

Assim, ambas são exigidas para a realização das licitações de obras, serviços e compras, quais sejam, os recursos orçamentários como pré-requisito da licitação e os recursos financeiros como decorrência. (grifo nosso)

TCE/MG. Processo 986699. Consulta. Relator Cons. Mauri Torres. Data da sessão 27/09/2023. Disponível em: https://mapjuris.tce.mg.gov.br/TextualDadosProcesso/DetalhesExcerto/986699#!

Nesse cenário, o TCE/MG já traçou entendimento que, de certa forma, mitiga a interpretação literal do art. 42, LRF. Senão, vejamos:

(…) “se for contratada obra ou serviço a serem executados em mais de um exercício financeiro, o gestor não está obrigado, consoante as disposições do aludido art. 42, a prover recursos financeiros para pagar as parcelas que serão executadas com dotações dos orçamentos dos exercícios financeiros seguintes”.

Assim, respondendo objetivamente à segunda indagação do consulente, entendo que, em se tratando de contratação de obras ou serviços cuja execução irá ultrapassar o exercício financeiro do final de mandato, para fins de cumprimento do art. 42 da LRF, a disponibilidade de caixa deve ser suficiente para fazer face às parcelas da execução da obra que forem planejadas para aquele exercício. Para as parcelas compromissadas para o(s) exercício(s) subsequente(s), não é necessária a existência de recursos na data de encerramento do exercício financeiro. Porém, nesse caso, a contratação deverá estar incluída no Plano Plurianual, deverá haver previsão desta tanto na Lei de Diretrizes Orçamentárias quanto na Lei Orçamentária Anual relativas a cada exercício ao qual ela se estenda, tudo nos limites financeiros previstos no cronograma de execução físico-financeiro.

Nesse caso, haveria exceções à aplicação do art. 42, LRF, as quais dependeriam, contudo, da inclusão da contratação no Plano Plurianual, bem como na Lei de Diretrizes Orçamentárias e na Lei Orçamentária Anual relativas a cada exercício ao qual ela se estenda. Assim, caso a Administração não conte com a LDO e LOA do exercício seguinte aprovadas, o citado precedente faz crer que ela não poderá se furtar de possuir disponibilidade financeira para assumir obrigações que ultrapassem o exercício.

Além disso, nota-se que o TCE/MG, nesse seu precedente, não enfrenta o caso específico de prorrogação contratual de serviço continuado. Assim, vale destacar parecer da Assessoria Jurídica do Tribunal de Contas dos Municípios da Bahia (TCM/BA) sobre o tema:

2. O artigo 42 da LRF não proíbe a celebração de contratos ou as suas prorrogações no final do mandato, mesmo que venham a exceder o exercício financeiro. No caso de a despesa se estender por mais de um exercício, tratando-se de serviços contínuos, com fulcro no artigo 57, II, da Lei de Licitações, deverá constar do Plano Plurianual e estar prevista na Lei de Diretrizes Orçamentárias e na Lei Orçamentária Anual, relativamente a cada exercício pelos quais a mesma se prolongue. Deve o Administrador Público executar, a cada exercício, a parcela correspondente do Plano Plurianual.

3. É válido destacar que, em se tratando de outros serviços, que não possuam natureza contínua, as eventuais prorrogações devem estar adstritas ao respectivo crédito orçamentário, o que, de outro giro, significa dizer que, na hipótese de serem realizados aditivos contratuais, cuja prorrogação ultrapasse 31 de dezembro do exercício, este excedente deve ser registrado em restos a pagar, devendo, por conseguinte, a municipalidade deixar disponibilidade financeira para a cobertura destas despesas, em observância ao artigo 42 da LRF.

TCM/BA. Processo 11685e20. Parecer 01297-20. Assessoria Jurídica.

Nesse parecer, observa-se que a Assessoria Jurídica do TCM/BA difere os serviços contínuos daqueles que assim não se caracterizam, destacando que, nesse último caso, as prorrogações devem estar adstritas ao respectivo crédito orçamentário, de forma que, caso a prorrogação ultrapasse 31 de dezembro do exercício, tal excedente deverá ser registrado em restos a pagar, devendo o município deixar disponibilidade financeira para tais despesas.

No que tange aos restos a pagar, inclusive, há Orientação Normativa da AGU nº 39/2011, a qual informa que:

A vigência dos contratos regidos pelo art. 57, caput, da Lei 8.666, de 1993, pode ultrapassar o exercício financeiro em que celebrados, desde que as despesas a eles referentes sejam integralmente empenhadas até 31 de Dezembro, permitindo-se, assim, sua inscrição em restos a pagar.

Orientação Normativa da AGU nº 39/2011

O Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo (TCE/ES), por sua vez, em decisão normativa sobre o tema, definiu, de forma sintética, em sentido semelhante ao exposto alhures:

V – O art. 42 da Lei Complementar nº. 101/2000 não constitui impedimento para a celebração, nos últimos dois quadrimestres do mandato do gestor, por prazo superior ao exercício financeiro ou com previsão de prorrogação, de contratos previstos nos incisos I, II e IV do art. 57 da Lei nº 8.666/1993, desde que haja suficiente disponibilidade de caixa para pagamento das parcelas vincendas no exercício;

VI – As obrigações de despesas contraídas nos dois últimos quadrimestres do último ano de mandato e inscritas em restos a pagar processados e não processados, com insuficiência de disponibilidade de caixa, configuram o descumprimento do caput, do art. 42 da Lei Complementar nº. 101/2000, observado o disposto no inciso V, do artigo 1º desta Decisão Normativa.

TCE/ES. Processo 03802/2018-6. Decisão Normativa 000001/2018-9. Conselheiro Presidente Sérgio Aboudib Ferreira Pinto. 29/05/2018.

Complementando os entendimentos que vêm sendo apresentados pelas cortes de contas estaduais, o Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE/PR) já concluiu que:

3. A princípio, o art. 42 da Lei Complementar nº. 101/2000 não possui condão de impedir a celebração, nos últimos dois quadrimestres do mandato do gestor, por prazo superior ao exercício financeiro ou com previsão de prorrogação, de contratos cujos objetos se encontrem entre os previstos nos incs. I, II e IV do art. 57 da Lei de Licitações, desde que haja suficiente disponibilidade de caixa para pagamento das parcelas vincendas no exercício, afastando a inscrição da despesa em restos a pagar, não se exigindo disponibilidade em caixa de valores necessários à duração total do contrato;

4. O ato de contrair obrigação de despesa, como a celebração de aditivos dentro do período vedado pela norma complementar, deve ser sopesado consoante as peculiaridade do caso, levando-se em conta a concretude dos fatores envolvidos;

TCE/PR. Processo 311536/10. Acórdão 1490/11. Conselheiro-Relator Hermas Eurides Brandão.

Dessa forma, a Administração deve verificar o devido cumprimento do art. 42, LRF, consoante os parâmetros pertinentes, considerando não somente a previsão orçamentária, como também a necessidade de disponibilidade de caixa, que somente pode se resumir ao ano do exercício, em casos específicos, nos quais já haja a previsão do gasto no PPA, bem como nas LDOs e LOAs de ambos os exercícios financeiros, devendo tais leis já estarem aprovadas e suas respectivas dotações serem indicadas no processo.

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