Incompatibilidade entre a utilização do sistema de registro de preços e a adoção do critério de julgamento menor preço global
Em certos casos, a Administração Pública opta pela adoção do sistema de registro de preços, em licitações nas quais o critério de julgamento é o menor preço global (ou por lotes).
Nesse cenário, há grande discussão acerca do tema. A utilização do sistema de registro de preços conjugada com a adoção do critério de julgamento do menor preço global gera uma incompatibilidade, devendo, nesse ponto, haver uma análise holística do processo licitatório.
A incompatibilidade da combinação de escolhas: a possibilidade de variação da composição das aquisições a serem realizadas
A incompatibilidade na adoção do critério de julgamento menor preço global com a utilização do sistema de registro de preços reside no fato de que a adjudicação por grupo em licitação para registro de preços revela-se sem sentido quando se atenta para o fato de que a Administração não está obrigada a adquirir a composição do grupo a cada contrato, podendo adquirir itens isolados ou composições variáveis, no momento e na quantidade que desejar. Nesse caso, a Administração está sujeita a adquirir certa composição de itens que não necessariamente refletiria o menor preço da licitação.
Nesse sentido, já decidiu o TCU, apontando, inclusive, que o problema pode ser potencializado com a existência de futuras adesões:
A adjudicação por grupo, em licitação para registro de preços, sem robustas, fundadas e demonstradas razões (fáticas e argumentativas) que a sustente, revela-se sem sentido quando se atenta para o evidente fato de que a Administração não está obrigada a contratar adquirir a composição do grupo a cada contrato, podendo adquirir isoladamente cada item, no momento e na quantidade que desejar.
Essa modelagem torna-se potencialmente mais danosa ao erário na medida em que diversos outros órgãos e entidade podem aderir a uma ata cujos preços não refletem os menores preços obtidos na disputa por item.
O que fica registrado quando a adjudicação se dá pelo menor preço por grupo, não é o menor preço de cada item, mas o preço do item no grupo em que se sagrou vencedor o futuro fornecedor. (…).
TCU. Processo nº TC 004.737/2017-2. Acórdão nº 1893/2017 – TCU – Plenário. Relator Ministro Bruno Dantas. No mesmo sentido: Acórdão 2.977/2012-TCU-Plenário.
Diante disso, considerou que:
Em modelagens dessa natureza, é preciso demonstrar as razões técnicas, logísticas, econômicas ou de outra natureza que tornam necessário promover o agrupamento como medida tendente a propiciar contratações mais vantajosas, comparativamente à adjudicação por item. É preciso demonstrar que não há incoerência entre adjudicar pelo menor preço global por grupo e promover aquisições por itens, em sistema de registro de preços. A Administração não irá adquirir grupos, mas itens.
Repisando, na licitação por grupos/lotes, a vantajosidade para a Administração apenas se concretizaria se fosse adquirido do licitante o grupo/lote integral, pois o menor preço é resultante da multiplicação de preços de diversos itens pelas quantidades estimadas.
TCU. Processo nº TC 004.737/2017-2. Acórdão nº 1893/2017 – TCU – Plenário. Relator Ministro Bruno Dantas. No mesmo sentido: Acórdão 2.977/2012-TCU-Plenário.
E concluiu:
Em registro de preços, a realização de licitação utilizando-se como critério de julgamento o menor preço global por grupo/lote leva, vis à vis a adjudicação por item, a flagrantes contratações antieconômicas e dano ao erário, potencializado pelas possibilidades de adesões, uma vez que, como reiteradamente se observa, itens são ofertados pelo vencedor do grupo a preços superiores aos propostos por outros competidores.
TCU. Processo nº TC 004.737/2017-2. Acórdão nº 1893/2017 – TCU – Plenário. Relator Ministro Bruno Dantas. No mesmo sentido: Acórdão 2.977/2012-TCU-Plenário.
Em recente decisão, no âmbito de Consulta, o Tribunal de Contas da União assim decidiu:
2. A jurisprudência pacífica do TCU é no sentido de que, no âmbito do sistema de registro de preços, a modelagem de aquisição por preço global de grupo de itens é medida excepcional que precisa ser devidamente justificada, além de ser, em regra, incompatível com a aquisição futura de itens isoladamente.
3. A modelagem de aquisição por preço global de grupo de itens deve ser empregada apenas nos casos em que a Administração almeje contratar a totalidade dos itens ou, ao menos, a proporcionalidade entre os quantitativos dos itens pertencentes ao grupo, a fim de assegurar a manutenção da economicidade do certame.
TCU. TC 022.355/2017-0. Consulta. Acórdão nº 1347/2018 – TCU – Plenário. Relator Ministro Bruno Dantas.
E dispôs:
Desse modo, conforme já abordado neste voto e bem resumido na orientação da Seges/MP, no âmbito das licitações realizadas sob a modelagem de aquisição por preço global de grupo de itens, somente serão admitidas as seguintes circunstâncias: 1) aquisição da totalidade dos itens de grupo, respeitadas as proporções de quantitativos definidos no certame; ou 2) aquisição de item isolado para o qual o preço unitário adjudicado ao vencedor seja o menor preço válido ofertado para o mesmo item na fase de lances. Sem embargos, constitui irregularidade a aquisição de item de grupo adjudicado por preço global, de forma isolada, quando o preço unitário adjudicado ao vencedor do grupo não for o menor lance válido ofertado na disputa relativo ao item.
TCU. TC 022.355/2017-0. Consulta. Acórdão nº 1347/2018 – TCU – Plenário. Relator Ministro Bruno Dantas.
A citada orientação da Secretaria de Gestão do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão (Seges/MP)[7], do Governo Federal, emitida aos 16/02/2018, aponta para o mesmo sentido.
Em outras ocasiões, o TCU reafirmou que se deve vedar a possibilidade de aquisição individual de itens registrados para os quais a licitante vencedora não apresentou o menor preço[8].
Além disso, vale destacar, o TCU sumulou o entendimento – e já entendeu, no mesmo sentido, o TCE/MG – de que, nas contratações de obras e serviços de engenharia, a definição do critério de aceitabilidade dos preços unitário e global é obrigação do gestor. Vejamos:
SÚMULA Nº 259 Nas contratações de obras e serviços de engenharia, a definição do critério de aceitabilidade dos preços unitários e global, com fixação de preços máximos para ambos, é obrigação e não faculdade do gestor.
Súmula 259 TCU
Dessa forma, observa-se que a Corte de Contas considera que no âmbito do sistema de registro de preços, a modelagem de aquisição por preço global é medida excepcional, que só deve ser tomada caso haja robusta, fundadas e demonstradas razões técnicas que justifiquem sua vantajosidade.
Destaca, ainda, que a vantajosidade se mostraria viável caso fossem adquiridos a integralidade do grupo ou, ao menos, a proporcionalidade entre os quantitativos dos itens, de forma a assegurar a economicidade. Assim, aponta para a necessidade de que, aquisições de composições de itens ou itens isolados devem ocorrer apenas nos casos de tais itens, adjudicados ao vencedor, sejam no menor preço válido ofertado para os mesmos itens na fase de lances. Além disso, destaca a obrigatoriedade de definição prévia dos critérios de aceitabilidade dos preços unitários e global.
A Lei nº 14.133/2021, positivando o entendimento construído jurisprudencialmente, tratou em seu art. 82, §1º, da utilização do critério de julgamento de menor preço por grupo de itens (ou seja, os casos de agrupamento, como no menor preço global e no menor preço por lote) nos casos em que se utiliza o sistema de registro de preços. Senão, vejamos:
§1º O critério de julgamento de menor preço por grupo de itens somente poderá ser adotado quando for demonstrada a inviabilidade de se promover a adjudicação por item e for evidenciada a sua vantagem técnica e econômica, e o critério de aceitabilidade de preços unitários máximos deverá ser indicado no edital.
Além disso, informou em seu §2º que:
§2º Na hipótese de que trata o §1º deste artigo, observados os parâmetros estabelecidos nos §§ 1º, 2º e 3º do art. 23 desta Lei, a contratação posterior de item específico constante de grupo de itens exigirá prévia pesquisa de mercado e demonstração de sua vantagem para o órgão ou entidade.
Dessa forma, caso a Administração opte por seguir tal caminho, deve compreendê-lo como excepcional, devendo seguir os parâmetros enumerados acima, mormente os §§ 1º e 2º, do art. 82, da Lei nº 14.133/2021.
Considerações finais
Dessa forma, a utilização de tais critérios de forma conjunta depende do atendimento às condições apresentadas acima.
Portanto, considerando a incompatibilidades existente, originárias da opção até então elegida, deve a Administração tomar as medidas devidas para superá-las, a fim de evitar prejuízos à Administração, respeitando os princípios da isonomia e economicidade. A Administração deve buscar a solução que melhor atenda ao interesse público, nos termos das orientações, das possibilidades e dos limites jurídicos existentes.
[1] É importante ressaltar que, nos termos destacados por Cristóvam e Michels, “Os pareceres da advocacia pública/procuradores públicos buscam, em sua máxima, confrontar o ato administrativo a ser praticado com o conjunto normativo legal ao qual a Fazenda Pública encontra-se subordinada, apresentando ao gestor uma análise jurídica acerca do ato e da viabilidade da prática do mesmo, bem como as implicações que este pode apresentar no ordenamento jurídico.” (CRISTOVAM; MICHELS, 2012)
[7] No âmbito das licitações realizadas sob a modelagem de aquisição por preço global de grupo de itens, somente será admitida as seguintes hipóteses:
a) aquisição da totalidade dos itens de grupo, respeitadas as proporções de quantitativos definidos no certame; ou
b) aquisição de item isolado para o qual o preço unitário adjudicado ao vencedor seja o menor preço válido ofertado para o mesmo item na fase de lances.
Constitui irregularidade a aquisição (emissão de empenho) de item de grupo adjudicado por preço global, de forma isolada, quando o preço unitário adjudicado ao vencedor do lote não for o menor lance válido ofertado na disputa relativo ao item, salvo quando, justificadamente, ficar demonstrado que é inexequível ou inviável, dentro do modelo de execução do contrato, a demanda proporcional ou total de todos os itens do respectivo grupo.
Os editais de licitações deverão prever cláusulas que impeçam a aquisição diferente desta Orientação.
[8] TCU. Acórdão nº 343/2014 – Plenário, Rel. Min. Valmir Campelo.
[10] TCE/SP. TC-012187.989.18-1. Relator Conselheiro Sidney Estanislau Beraldo. Sessão de 28-06-2018 – Municipal. Tribunal Pleno.
Disponível em: <https://www.zenite.blog.br/de-acordo-com-o-tcu-e-possivel-contratar-obra-de-engenharia-por-sistema-de-registro-de-precos/>. Acesso em: 15/06/2020.
[11] Zênite Blog. Registro de Preços: é cabível para serviços de engenharia? Disponível em: <https://www.zenite.blog.br/registro-de-precos-e-cabivel-para-servicos-de-engenharia/>. Acesso em: 15/06/2020.
[14] TCE/MG. Processo nº 1058543. Relator Conselheiro Wanderley Ávila.
[16] Zênite Informação. TCU – Registro de preços para contratação de serviços de engenharia? Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=sx4zfHjaqjo>. Acesso em: 10/06/2020.
[17] TCE/MG. Denúncia nº 1040516. Relator Conselheiro Wanderley Ávila. 6ª Sessão Ordinária da Segunda Câmara – 22/03/2018.
[18] TCE/MG. Denúncia nº 1047677. Relator Conselheiro Substituto Hamilton Coelho. Sessão Ordinária 27/11/2018.
[19] TCU. TC 016.762/2009-6. ACÓRDÃO Nº 1737/2012 – TCU – Plenário. Relatora Ministra Ana Arraes.
[20] TCU. TC 016.762/2009-6. ACÓRDÃO Nº 1737/2012 – TCU – Plenário. Relatora Ministra Ana Arraes.