A temática da inexequibilidade das propostas nas licitações é ponto controvertido, polêmico, daqueles nos quais é difícil haver consenso.
A Nova Lei de Licitações e Contratos, Lei nº 14.133/2021, mantendo norma semelhante à prevista na Lei nº 8.666/93 (em seu art. 48, II), dispôs em seu art. 59, inciso III e IV, que:
Art. 59. Serão desclassificadas as propostas que: (…)
III – apresentarem preços inexequíveis ou permanecerem acima do orçamento estimado para a contratação;
IV – não tiverem sua exequibilidade demonstrada, quando exigido pela Administração;
(…)
Os §§ 2º, 3º e 4º do mesmo dispositivo, por sua vez, tratam da forma de apuração da exiquibilidade das propostas:
§ 2º A Administração poderá realizar diligências para aferir a exequibilidade das propostas ou exigir dos licitantes que ela seja demonstrada, conforme disposto no inciso IV do caput deste artigo.
§ 3º No caso de obras e serviços de engenharia e arquitetura, para efeito de avaliação da exequibilidade e de sobrepreço, serão considerados o preço global, os quantitativos e os preços unitários tidos como relevantes, observado o critério de aceitabilidade de preços unitário e global a ser fixado no edital, conforme as especificidades do mercado correspondente.
§ 4º No caso de obras e serviços de engenharia, serão consideradas inexequíveis as propostas cujos valores forem inferiores a 75% (setenta e cinco por cento) do valor orçado pela Administração.
(grifo nosso)
Sob a égide da Lei nº 8.666/93, o Tribunal de Contas da União (TCU), por meio da Súmula 262, entendeu que o critério definido na antiga Lei de Licitações, conduzia a uma presunção relativa de inexequibilidade de preços, devendo a Administração dar à licitante a oportunidade de demonstrar a exequibilidade da sua proposta.
Contudo, o TCU, no Acórdão 2198/2023, já na vigência da Lei nº 14.133/2021, entendeu que a inexigibilidade do art. 59, no caso de licitação para contratação de obras e serviços de engenharia, é absoluta. A doutrina, porém, não parece concordar com tal entendimento, como pode ser sintetizado na seguinte passagem de Rafael Sérgio de Oliveira:
(…) a diversidade do mercado não permite que a Administração possa, mesmo no caso de obras e serviços de engenharia, formar convicção quanto à manifesta inexequibilidade da proposta por meio de um percentual definido na legislação.
OLIVEIRA, Rafael Sérgio. Os Critério de Aferição da Inexequibilidade das Propostas na Nova Lei de Licitações. In Temas Controversos da Nova Lei de Licitações e Contratos / coordenadores Matheus Carvalho, Bruno Belém e Ronny Charles. São Paulo: Editora JusPodium, 2021.
Nessa esteira, no Acórdão 2378/2024, de relatoria do Ministro Benjamin Zymler, em sessão de 06/11/2024, o TCU considerou irregular a desclassificação de um licitante com base na hipótese de que sua proposta é inexequível, sem dar a opotunidade a este de demonstrar a exequibilidade de sua proposta.
O processo tratava da contratação de manutenção corretiva e preventiva de equipamentos de ar-condicionado. Sendo assim, vejamos:
9. A proposta do representante (lote 2) foi desclassificada por inexequibilidade presumida ao apresentar o valor de R$ 250.058,20 (25,92% de desconto), o que significaria uma redução de aproximadamente 25% em relação ao valor adjudicado. A ocorrência também aconteceu nos lotes 1 e 3, em que foram desclassificadas propostas com descontos superiores a 25% (houve proposta com desconto de 50% para o lote 1 e de 45% para o lote 3 – peças 22, p. 6, e 24, p. 6).
10. Em todas as situações, não foi facultada às empresas a oportunidade de demonstrar a exequibilidade de suas propostas.
(…)
No tocante à desclassificação de proposta, com fundamento no art. 59, § 4º, da Lei 14.133/2021, sem a realização de diligência com vistas a dar oportunidade às licitantes que apresentarem proposta de preços inferior a 75% do valor estimado para demonstrarem a viabilidade de sua oferta, entende-se por sua irregularidade.
Tal prática desconsidera a presunção relativade inexequibilidade de preços e afronta a jurisprudência desta Corte.
TCU. Acórdão 2378/2024. Relator Ministro Benjamin Zymler. Sessão de 06/11/2024.
Dessa forma, o TCU entende que a realização de diligência não é uma simples faculdade da Administração, senão um poder-dever. A ausência de inovações do NLLC sobre a temática (havendo alteração apenas no percentual), leva a conclusão da manutenção do entendimento da Súmula 262,TCU, pela relatividade da presunção de exequibilidade dos preços ofertados.
Sendo assim, em atenção aos princípios da busca da proposta mais vantajosa, da economicidade, do interesse público, dentre outros, deve a Administração diligenciar nos casos em que se suspeita haver inexequibilidade do preço, não devendo desclassificar o licitante sem dá-lo a oportunidade de se manifestar sobre o tema.